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25/06/2025
Quando a Diversão vira Vício: Campanha Mundial Contra a Publicidade de Apostas
Quando a Diversão vira Vício:  Campanha Mundial Contra a Publicidade de Apostas
Por Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados, e Gabriela Sentin, especialista em Compliance e Governança Corporativa
Você já viu um influenciador milionário prometendo ganhos rápidos e fáceis com apostas nas plataformas de bets? Enquanto eles ganham fortunas vendendo essa ilusão, brasileiros de todas as idades estão se endividando e desenvolvendo vícios graves e em alguns casos, mortais.

A situação escalou tanto que em maio de 2025, o Senado aprovou um projeto de lei (PL 2.985/2023), que visa proibir os anúncios de bets com celebridades (influenciadores), limita horários de veiculação e obriga avisos sobre os riscos. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados, mas levanta questões importantes sobre aplicação e fiscalização.

A publicidade dessas plataformas, protagonizada por influenciadores que ostentam riqueza e sucesso, mira especialmente em cidadãos com dificuldades financeiras. Estudos recentes mostram que a maioria dos universitários brasileiros já apostou online, com participação regular alarmante. Mais grave ainda: existe ligação direta entre essas apostas e o desenvolvimento de transtornos como ansiedade, depressão e endividamento. Esses dados revelam porquê o Brasil precisa urgentemente aprender com a experiência de outros países que já enfrentaram e estão corrigindo esse problema.

Como esse processo acontece em outros países

Enquanto isso, alguns países já implementaram medidas mais drásticas após reconhecerem os danos sociais causados pelas apostas online. O Brasil reluta em aprender com essas experiências internacionais, que demonstram caminhos muito mais rigorosos e comprovadamente eficazes.

O Reino Unido lidera essa transformação global. Desde 2022, é proibido usar celebridades, atletas e influenciadores em anúncios de apostas, reconhecendo o "forte apelo" que essas figuras exercem sobre os mais jovens. As regras britânicas vão além, banindo qualquer conteúdo que possa atrair menores de idade, incluindo referências à cultura juvenil e videogames. Mais da metade da população britânica já apoia a exclusão total dos anúncios de apostas.

Na Europa continental, as medidas são ainda mais rígidas. Holanda e Bélgica implementaram uma proibição quase total da publicidade de apostas, reconhecendo que a proteção social deve prevalecer sobre interesses comerciais. A Holanda proibiu completamente a publicidade de casas de apostas no esporte a partir desse ano. França e Alemanha só permitem publicidade de empresas licenciadas, com avisos obrigatórios sobre os riscos.

Os Estados Unidos oferecem um exemplo revelador de correção após a expansão descontrolada. Desde 2018, quando a Suprema Corte liberou as apostas esportivas, o mercado explodiu consideravelmente, mais de US$ 220 bilhões foram apostados legalmente. Hoje, 33 estados permitem apostas esportivas, mas os problemas sociais cresceram proporcionalmente. Pelo menos três estados foram obrigados a criar medidas para barrar apostadores que ameaçam atletas após perdas financeiras.

Publicidade de bets X cigarros

A comparação com o tabaco é inevitável e esclarecedora, e especialmente relevante para o Brasil. O país foi pioneiro mundial no controle do tabaco, sendo o primeiro a proibir completamente aditivos aromatizantes e referência da Organização Mundial da Saúde em regulamentação antitabaco.

Se o Brasil soube liderar globalmente contra uma indústria poderosa que causava dependência, por que resiste em aplicar a mesma determinação às apostas online? Cigarros são legais, mas sua publicidade é restringida, porque reconhecemos os danos que causam à saúde pública. O mesmo aconteceu na Fórmula 1, que por décadas dependeu de patrocínios de marcas de cigarro como Marlboro, Camel e West, e hoje funciona perfeitamente sem eles.

O mesmo se aplica para as bets. As bets são legalizadas no Brasil, pagam impostos e tem o direito de funcionar. Entretanto, por qual motivo não existe a mesma restrição aplicada aos cigarros? A questão principal que precisamos refletir é até que ponto uma sociedade deve permitir que a publicidade de atividades que podem viciar explore de forma contínua as fragilidades das pessoas, principalmente dos jovens e daqueles que têm menos recursos. O movimento internacional mostra claramente que a proteção social deve sempre estar acima dos interesses comerciais.

Para o Brasil, as experiências internacionais representam tanto esperança quanto alerta. Esperança porque demonstram que é possível regular sem eliminar a atividade econômica. Alerta porque revelam que a falta de ação pode levar a crises sociais de proporções significativas, como observado nos Estados Unidos.

O projeto de lei brasileiro, embora represente um primeiro passo, levanta questões críticas sobre como será aplicado na prática. A fiscalização das restrições horárias nas redes sociais permanece indefinida, assim como o monitoramento do cumprimento das proibições por influenciadores. A distinção entre publicidade direta e marketing disfarçado também não está clara. A experiência internacional demonstra que legislações sem mecanismos robustos de fiscalização e penalidades severas tendem a ser contornadas pelo mercado.

O debate sobre bets e sua publicidade vai além de questões de moralidade individual para se tornar uma discussão sobre que tipo de sociedade queremos construir na era digital. Não podemos permitir que algoritmos sofisticados continuem explorando fragilidades humanas em nome do lucro quando deveríamos priorizar a proteção dos mais desfavorecidos. A realidade internacional é clara: o futuro da publicidade de apostas será caracterizado por maior supervisão regulatória e padrões mais rigorosos.

É moralmente insustentável que o Brasil continue permitindo que algoritmos explorem fragilidades humanas para maximizar lucros enquanto países desenvolvidos já reconheceram e corrigiram essa distorção. As escolhas que fazemos hoje determinarão se protegeremos nossos cidadãos mais carentes ou se sustentaremos um sistema que lucra com o desespero social. A pergunta que fica é simples: quantos jovens endividados e famílias destruídas serão necessários para que ajamos como países responsáveis já agiram? A Câmara dos Deputados tem nas mãos a chance de colocar o Brasil no lado correto da história. Cabe à sociedade garantir que essa chance não seja desperdiçada.

Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.

Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br

Gabriela Sentin, é especialista em Compliance e Governança Corporativa com mais de 10 anos de experiência na área jurídica e regulatória. Especialista em comunicação, transformando temas complexos em narrativas acessíveis.
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Quando a diversão vira vício: a campanha mundial contra a publicidade de apostas
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